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A escultura atingiu maior significação para a estética da Modernidade seguindo os passos da pintura, que lançou-se num abismo para chegar à autonomia de linguagem. Uma das marcantes rupturas ocorridas no momento moderno originou-se da busca de uma pintura objeto, sem nenhuma referência a algo reconhecível fora do próprio quadro, como se deu com o "Quadrado Negro Sobre Fundo Negro" de Kazimir Malevich (1917). Conceitos de pintura dessa natureza vieram provocar em outras linguagens artísticas e principalmente na escultura a necessidade de mudanças definitivas.

Enquanto nesse período no Ocidente a bidimensionalidade e as representações da realidade eram desafios a ser superados pela pintura que se desconstruíra e se refizera com Cèzanne, Picasso, Braque e tantos outros artistas dos movimentos: pós-impressionistas, cubistas, futuristas e surrealistas; na Rússia, o Construtivismo de Tatlin propunha uma espécie de obra sob a denominação de contra - relevo espacial, que situava-se nas fronteiras da pintura e da escultura, numa atitude originária da obsessiva fuga do plano bidimensional.

Tatlin também projetou um dos principais emblemas da escultura pública moderna: o monumento à Internacional Socialista. Essa construção transcende às expectativas do entendimento objetivo e fica na fronteira da escultura com a arquitetura. Pode-se observar isso, diante do projeto da imensa espiral, que avança verticalmente num eixo diagonal no espaço em direção ao infinito.

Foi nesse ambiente de transformações e revoluções sociais que as grandes mudanças estéticas aconteceram no início da Modernidade, e a preocupação com a busca do novo, do desconhecido e do subjetivo atingiu a escultura.

De natureza tridimensional, a escultura, nos tempos modernos, não teve de provocar rupturas nos mesmos âmbitos da pintura, mas a seu modelo de mudanças, voltou-se para questões estruturais de seu próprio corpo constitutivo, levando-a à conquista de vôos independentes.

O uso de volumes em formas puras, a potencialização do movimento, a exemplo dos móbiles de Calder, livram a escultura de suportes tradicionais. A renovação de conceitos, na construção e desconstrução da forma, e a eliminação das representações transformam radicalmente o olhar na nova escultura.

Problemas, como o interior e o exterior em mesma escala de valoração, foram apresentados por Henry Moore no bronze " A Mãe"; constituído de um útero onde a superfície externa deixa entrever o seu interior. Maria Martins, com seres vazados de ar, marca o território surrealista na tridimensionalidade. Max Bill, com "UnidadeTripartida", prêmio Bienal de São Paulo de 1950, inspira-se na cinta do matemático Moebius, onde o dentro é o fora simultaneamente.

A crudeza dos materiais apresentados em sua plenitude, sem disfarces ou artifícios, foram procedimentos radicais adotados nos anos 60 na escultura minimalista de Robert Morris e Richard Serra, que reiteraram os conceitos que privilegiaram as formas puras, a redução, a integridade do material e uma disposição clara de instalar as obras serialmente no espaço. Entretanto, não é certo referenciar a evolução da eloquente produção escultórica brasileira sob o prisma do minimalismo.

A influência maior vem da presença do Movimento Concreto e suas mutações que passam pelo Neoconcretismo. Esses dois movimentos permanecem como forte referência na produção em voga e, podemos citar dois expressivos escultores que contribuíram para mudar o panorama da escultura no Brasil : Franz Weissman e Amilcar de Castro. Eles fizeram com o elemento ferro o que outros fizeram com o papel.

Veio com a obra desses artistas, o conceito seminal do corta e do dobrar. Com essa economia no pensar e no fazer simplificados, para sair do plano bidimensional e chegar à tridimensão. Ao usar uma chapa plana de ferro, esses artistas recriaram na escultura espaços ora positivos...ora negativos e trouxeram a paisagem in natura para o corpo da obra. Esses foram os procedimentos mais praticados por Amílcar e Weissman que marcaram um vocabulário divisor e um molde para as bases da escultura contemporânea no Brasil.

Omar Franco pertence, sem dúvida, a essa tradição. Em sua atual produção, constrói uma família de helicóides em chapas de ferro que pretendem o diálogo franco com o espaço, com a predominância da mesma atitude binária, o cortar e o dobrar. Porém há em sua escultura a introdução de um outro elemento: o retorcer, diferenciando a recente produção da sua reconhecida influência concretista.

Da predominância horizontal e da profusão de recortes espaciais, surge uma indisfarçável eloquência barroca e dionisíaca, próprias da miscigenação brasileira, onde aparece a contradição que deixa clara a vontade rigorosa e apolínea de forjar o ferro em oposição à leveza da idéia de movimento e levitação.

Omar produz, nessas espirais, um diálogo com o vento, são metáforas de vento, onde os vazios criam a sensação de um pulmão da obra.

As incisões deixadas no ferro são as cicatrizes de um metódico ato cirúrgico na chapa-corpo que permanecem inalteradas e evidentes na obra final. É o tempo se manifestando nas transformações da matéria em seu estado bruto, um registro de todo processo do longo e árduo trabalho.

A forma de apresentação de sua proposta é um conjunto fechado. A disposição horizontal no solo, organiza e articula os módulos em sua total homogeneidade formal, numa montagem construída para valorizar a visão do todo e das partes, transferindo - se na montagem à linguagem da instalação para mostrar várias peças reunidas numa só.

Observa-se nesses procedimentos de Omar Franco um estado de sólidas e pensadas transformações, de consciência para um salto futuro cheio de possibilidades.

O pacto que o artista faz com a matéria é a fonte inesgotável de sua criação. O rigor, no tratamento da forma, a sua integração com o material utilizado e como é planejado o manuseio dessa matéria, refletem - se na conclusão da obra.

Omar organiza seus experimentos com o ferro, jogando nesse embate, todas as energias do seu corpo. Com a matéria, vem o fogo, seu calor, o emprego da força e o ruído contínuo do martelo na chapa. Ao final, exaurido, o criador e a obra repousam, vem o silêncio, a reflexão e o desfrute, provocados pela forma obtida.

O resultado, se bem observado, expressa todo esforço do caminho percorrido pelo artista e percebe-se que suas escolhas o condenam à condição de ser contemporâneo e obsessivo.

Wagner Barja